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terça-feira, 5 de junho de 2012

Os Druidas de Valmenor (5)

Kli Van-Kli, "Os Druidas de Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr


Kli, com um arrepio, fica sozinho no silêncio e na névoa. Pois, mais uma vez, também a aparição fantasmagórica desapareceu.
«A Fada da Bruma?...», pensa ele. Mas não fica só por muito tempo, eis que ressurgem os outros cães em disparada, desta vez em sentido contrário!… E atrás deles, perseguindo-os, vem o javali, ferocíssimo!
Os cães passam por Kli, arquejantes, com folhas e pedras a voar na sua esteira...
– Oh, não! Sina cruel!! – exclama ele, olhando para o javardo e para as suas presas descomunais. Mas uma seta certeira abate o animal, no último momento, antes de este afocinhar sobre o cimbalino!
A seta é prateada, como as outras. Mas não há sinal da arqueira.

Quando os seres da floresta sossegam, novamente se faz silêncio. Kli olha para o corpulento animal espojado na terra, meio metro defronte de si, e depois para onde cães e cavaleiros desapareceram. Convém esclarecer que os cimbalinos têm um receio ancestral, supersticioso, de javalis, receio que, em muitos casos, toca a aversão. Uma lenda sua sustenta que um javali mitológico virá a exterminar a raça, ao atropelar fatalmente o seu último representante. Pode dar-se o caso de ser verdade!…
Um restolhar às costas de Kli fá-lo espevitar. E ele avista, apoiado a uma árvore na encosta, um outro vulto, agora nitidamente masculino.
– Tiveste sorte, cimbalino!... – diz a aparição.
O homem sai da névoa, aproximando-se. Trata-se de um indivíduo de natureza visivelmente pacífica, apesar de entroncado. Quando distingue as suas feições, Kli repara que tem olhos claros e perscrutadores, atentos mas não maliciosos. A testa alta, de indivíduo estudioso, é acentuada pela calvície, que lhe vai apartando o cabelo grisalho. Usa uma ampla túnica de lã clara e uma capa comprida, de tom mais escuro; e, ao ombro, carrega um bornal.
– Já há um bocado que observo os teus apuros e a tua valentia – diz ele. E, chegando mais perto, anuncia: – Tiveste sorte. Tens a proteção de Ártemis!
Este é o homem que um dia virá a narrar os acontecimentos que inspiraram esta história e autor dos eventuais comentários aqui transcritos, como este que se segue:
“Foi assim que o vi, pela primeira vez, o cimbalino Kli Van-Kli, lidando valorosamente com homens e animais... e ainda com a própria Ártemis, que, contudo, lhe ofereceu proteção!”
– Ártemis?... – pergunta Kli, curioso.
O homem  explica-lhe, enquanto ele apanha o chapéu e o cajado:
– É assim que eu lhe chamo. Como os gregos!... A deusa caçadora... A Fada da Bruma!
Ah! – faz Kli, arqueando as sobrancelhas. E depois arranca a flecha cravada no chão, a flecha prateada que detivera o gordo no seu ataque. – Nesse caso, vou ficar com esta flecha... como amuleto!
– Bem, enfim... – replica o recém-chegado, hesitante. – Não se costuma tocar nas flechas de Ártemis!… Mas... talvez faças bem!
O homem, conhecedor da suposta comunhão dos cimbalinos com as forças mágicas da natureza, nada mais diz. Kli, sob o seu olhar penetrante, examina aquela flecha de aura singular. Depois, guarda-a num dos bolsos, à esquerda, do interior da capa. Finalmente, põe o chapéu, apanha algumas das suas coisas que, com o tumulto, tinham caído ao chão e prepara-se para partir.
– E quanto à lança e ao javali? – pergunta.
– A lança aí ficará – replica o outro. – A menos que o Príncipe a venha buscar. Quanto ao javali, será uma oferta ao deus do bosque.
O cimbalino observa o animal tombado e a flecha que o abateu, e que, tal como as outras, tem um brilho quase irreal naquele ambiente de névoa que se levanta.
– Quem é esse Príncipe? – inquire ele, espreitando a mata que os rodeia.
– O Príncipe Lascário Carcavel!... Não é um homem bom... como já tiveste ocasião de verificar. – O recém-chegado fita os ramos das árvores que se elevam na neblina. E vendo que o cimbalino se prepara para partir, pergunta-lhe: Permites que te acompanhe? Para onde vais?
Kli observa-o por um instante, como se o avaliasse. Depois, sorri e diz:
– Poderás acompanhar-me, se também fores para Valmaior.
– Sim, eu vou para Valmaior – responde o outro, olhando o viajante com renovada curiosidade.

Ali perto, duas doninhas machos fazem circunlóquios corteses:
– Poderás acompanhar-me, se tiveres o bom senso de não emitir cheiros desagradáveis – diz uma.
– Com certeza! – responde a outra. – Depois de si, cavalheiro. Ou melhor... antes de si!
[CONTINUA]

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