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sexta-feira, 15 de junho de 2012

Os Druidas de Valmenor (15)

Kli Van-Kli, "Os Druidas de Valmenor" (c) 2012 Luís Diferr

Um silêncio reverente acompanhou a leitura da mensagem. Finda esta, durou ainda algum tempo mas, depois, foi-se instalando um burburinho crescente:
– O que significa isso?
– Falou em forja e em ferro!
– E em anãs e gigantes!...
– Ouviram? Falou no corpo de uma mulher!
O ferro moldado e comprido... – cicia alguém, como se meditasse nessas palavras.
– Isso é conversa de ferreiro!
– Em casa de ferreiro, espeto de pau!...
Oh, vós, espíritos loquazes! – censura-os Lúcio com aspereza.
– Espíritos quê?! – pergunta alguém, como se se sentisse ofendido.
Faladores, tagarelas, linguareiros... – murmura o palerma, tombado sobre a mesa, sem abrir os olhos.
Todos olham para ele, que retoma o seu tranquilo ressonar. E Lúcio Simplex aproveita para esclarecer:
– A primeira parte parece dizer que o Salmo está prestes a cumprir-se! Mas que isso poderá trazer “fria e irremediável”... morte.  A seguir, a  referência ao ferro é estranha... mas não duvido que verdadeira! Quanto à mulher... “Às lendas dará forma e à mulher o corpo real”... A mulher deve ser...
– A princesa. A donzela em transe! – completa o palerma adormecido.
Passado um momento de espanto geral, gera-se uma considerável turbulência.
– Tudo isto não é muito claro... como é habitual nas escritas do Apuleio – considera Asdrúbal Moutinho. – Mas a última parte é demais!... Parece que ele se passou de vez!
Lúcio lembra-lhe:
– Não é realmente o Apuleio que escreve, Asdrúbal!...
Consulta o texto nas suas mãos; e relê:
“Supernovas, gigantes vermelhas e anãs brancas!”... Não direi que é claro como água, naturalmente!... Pode ser uma citação de Homero!...
– O Apuleio deve saber! – sugere Kli.
Todos olham para ele e depois para o palerma adormecido.
– Sim, o palerma deve saber! – concorda um rude lavrador, colhendo gestos de assentimento à sua volta.
– Apuleio! – chama-o gentilmente Lúcio, inclinando-se sobre ele. – Diz-nos o que significa a última parte. Apuleio!...
Mas, indiferente, Apuleio limita-se a roncar, de bruços sobre a mesa.
– Ele não sabe! – reclama alguém, contrariado.
– É um palerma! – diz outro, aborrecido.
“Gigantes vermelhas e anãs brancas!”... – cita Kli, por sua vez. – Talvez seja um aviso... sobre criaturas fantásticas em Valmenor!
Um arrepio percorre a assembleia. Para quebrar a tensão, o estalajadeiro lembra, dir-se-ia inocentemente:
– Não havia menção a queimar ervas?
Olhando para o pergaminho, Lúcio  confirma:
– Sim. “Vós, espíritos loquazes e mortais, queimai uma erva em minha honra”.
– Só pode ser hipericão! – considera Asdrúbal.
– Para quem estiver interessado, nós temo-la à venda! – completa a mulher dele.
Gera-se grande tumulto, com toda a gente interessada em comprar um punhado de erva e alguns a discutir o preço. A turba concentra-se junto ao balcão, de onde se ouvem os apelos de Asdrúbal e da mulher:
– Calma!
– Chega para todos!
– Quanto é?
– Isso é um roubo!!
Kli, que ficou ao pé do pateta adormecido, ouve-o murmurar:
– Grande negócio!...
Depois, olha para a clientela amontoada ao balcão e diz a Lúcio:
– Vou-me embora! Até logo, Lúcio.
Mas este, ainda perplexo a estudar o manuscrito, replica com um murmúrio, sem lhe prestar atenção.

Lá fora, a tarde chega ao fim. Kli dirige-se a casa do boticário, cujas janelas continuam cerradas... menos uma, a do piso superior – surpreende-se ele, ao verificar que se trata daquela em que a rapariga aparecera.
Bate novamente à porta. E, desta vez, a miúda entreabre-a. Kli repara que no seu dedo anelar da mão direita brilha um anel de prata, com belos motivos de entrançado celta. Repara depois nos seus olhos cor de mel que o fitam com severidade juvenil.
– Tu... és o Kli?... – pergunta ela. – Não foi o que disseste?
– Foi. E tu, segundo me contaram, chamas-te Samara.
Ela parece enrubescer ligeiramente.
«Que rapariga tão bonita!», pensa Kli, fascinado pelo contraste dos seus olhos claros com o cabelo tão escuro.
– O meu pai falou em ti, é verdade... – diz ela, mirando o cimbalino. – Mas já há alguns meses! Disse que o virias visitar.
– Pois. Olha, está a ficar frio aqui fora!...
Após uma pausa, ela abre finalmente a porta, dizendo:
– Entra.
[CONTINUA]

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